Nossa Senhora da Luz
Pedro Martins, português de origem humilde, nascido em
Carnide, possuía no Algarve algumas terras herdadas por sua mulher,
senhora de alguns haveres. Certa vez, quando para lá se dirigia a fim de
cuidar de sua propriedade, foi aprisionado pelos mouros numa das
incursões feitas pelos infiéis em território cristão e levado para o
norte da África.
Naquela ocasião, por volta de 1453, sobre a fonte do
Machado, em Carnide, começou a aparecer uma luz misteriosa, cuja origem
ninguém conseguia descobrir. Andava o povo alarmado e de Lisboa e dos
arredores chegava muita gente para ver o fenômeno, começando o lugar a
ser chamado: "A Luz".
Pedro Martins, no seu cativeiro, desanimado da
intercessão dos homens para libertá-lo, recorreu àquela que é o Socorro
dos Aflitos e a Esperança dos Desesperados. Suas orações foram ouvidas
pela Virgem Maria que lhe apareceu trinta noites seguidas em sonho,
procurando consolá-lo. Na ultima noite Ela prometeu-lhe que ao acordar
se encontraria em Carnide, mas que aí deveria procurar uma imagem sua
escondida perto da fonte do Machado, em sítio que lhe seria indicado por
estranha luz. Quando a encontrasse, deveria erguer no local uma ermida
em sua homenagem.
No dia seguinte, como a Virgem Maria lhe havia
anunciado Pedro Martins amanheceu em sua querida cidade natal. Em
agradecimento por tão milagrosa libertação, o ex-cativo procurou logo
realizar o desejo da Mãe Santíssima. Em companhia de um parente, saiu
certa noite à procura da imagem. A luz cintilava sobre a fonte.
Caminharam por entre o arvoredo e notaram que ela ia se deslocando até
que em determinado momento parou. Limparam o local e ao removerem
algumas pedras encontraram a efígie da Rainha do Céu.
Assim que se espalhou a notícia do feliz achado, grande
foi a afluência do povo ao lugar, e a Virgem Maria aí começou a ser
invocada com o título de Nossa Senhora da Luz.
Logo que pôde, Pedro Martins iniciou a construção da
ermida com a permissão do bispo de Lisboa, que se prontificou a lançar a
primeira pedra em solene cerimônia religiosa. Mais tarde esta capela
foi substituída por suntuoso templo, inaugurado em 1596.
A festa de Nossa Senhora da Luz começou a ser celebrada
todos os anos e as casas nobres portuguesas disputavam entre Si a honra
de se encarregarem das despesas. Este grandioso santuário, entretanto,
foi quase totalmente destruído pelo terremoto que assolou Lisboa em
1755, catástrofe que, segundo piedosa lenda, deu origem à construção de
Nossa Senhora da Luz de Diamantina.
Contam que a distinta dama D. Teresa de Jesus Corte
Real, durante a imensa tragédia que destruiu Lisboa, suplicou a proteção
da Senhora da Luz e conseguiu refugiar-se com seu esposo e empregados
domésticos em uma capela dedicada à Mãe de Deus. Seu marido havia sido
designado para o posto de funcionário do "Contrato de Diamantes" em
Minas Geras e ela prometeu então que, se conseguisse chegar ao Brasil sã
e salva, faria erigir na colônia uma capela à Virgem da Luz.
Aqui chegando, fixou residência no Arraial do Tejuco e
alguns anos depois mandou construir nos arredores da vila urna pequena
igreja. Diz a tradição que ao lado do templo, em cumprimento a outra
promessa feita por seu pai à Senhora da Luz durante o terrível
terremoto, fez erguer um recolhimento para a educação de órfãs,
preparando-as para a vida. Cada moça que se casava, após esmerada
educação, recebia um faqueiro de prata e três mil cruzados, quantia que
dava para construir uma boa casa.
D. Teresa Corte Real faleceu em 1826 e seu corpo foi
sepultado debaixo do coro da igreja que fundara, na qual também foi
colocado um seu retrato a óleo feito pelo pintor Manuel Pereira.
Nos fins do século passado, a igrejinha estava prestes a
ruir, porém o seu vigário conseguiu angariar fundos para reconstrui-la.
No dia 20 de maio de 1900 ela foi solenemente reaberta aos fiéis e a
imagem da Padroeira recolocada em seu antigo altar após solene procissão
acompanhada de uma chuva de flores atiradas das sacadas pela senhoras
de Diamantina. Todas as ruas estavam profusamente ornarmentadas e
iluminadas para homenagear aquela que, tendo gerado a Luz do Mundo, bem
mereceu o título de Nossa Senhora da Luz.
Contudo, esta devoção em terras brasileiras não nasceu
em Minas Gerais, pois a mais antiga igreja dedicada a Senhora da Luz em
nosso pais foi a de São Paulo, fundada primeiramente no Ipiranga, por
volta de 1580, e depois transferida para o atual bairro da Luz, em 1603.
Foi na primeira capela, citada pelo Padre Anchieta em urna de suas
cartas, que um frade franciscano, capelão da armada de Diogo Flores
Valdez, foi assassinado por um soldado ao pedir esmolas para os pobres.
O segundo templo da Virgem da Luz acompanhou toda a
história da cidade de São Paulo, tendo sido instalado ao lado da Capela o
famoso Recolhimento da Luz fundado por um grupo de religiosas.
Atualmente, depois de reformados, tanto o templo como o convento deram
lugar ao Museu de Arte Sacra da capital paulista, onde se encontram
preciosidades históricas e artísticas do Estado bandeirante.
0 culto a Nossa Senhora da Luz, difundido pelos
jesuítas e beneditinos, deu origem a diversos santuários no Rio de
Janeiro e nos Estados do Sul do Brasil, principalmente Paraná e Rio
Grande.
A cidade de Curitiba se iniciou em torno de uma capela,
onde a Mãe da Luz era venerada pelos seus inúmeros milagres. Sobre a
sua fundação existe interessante lenda, que passaremos a narrar:
Na segunda metade do século XVII, Gabriel de Lara,
seguindo os faiscadores de ouro, cruzou a serra do Mar e encontrou uma
pequena povoação no sítio dos Pinhais, onde em 1659 seria fundada a vila
de Nossa Senhora da Luz. Dizem que seus primeiros habitantes foram
membros da bandeira de Antônio Domingues, que em 1648 se dirigia ao sul
do país. No entanto, segundo a lenda, os bandeirantes se haviam
estabelecido um pouco além, nas margens do rio Atuba, onde ergueram uma
ermida à Senhora da Luz.
Com o andar do tempo, os rudes penetradores do sertão
notaram que a imagem da Virgem tinha sempre os olhos voltados para os
campos aos quais os índios denominavam Curitiba (Pinhais). Aquela região
era dominada pelos ferozes cainguangues, ciosos de seus bosques de
pinheiros. Contudo, Nossa Senhora insistia em mirá-la, pois todas as
manhãs aparecia com os olhos luminosos voltados para o poente.
Tal foi a insistência da Virgem, que os sertanejos
resolveram sondar a possibilidade da conquista do sítio indicado pela
Padroeira. Com seus aprestos de guerra seguiram para a esplanada
dominada pelos bárbaros caingangues, prontos para o combate.
Em vez da luta prevista como certa, o que ocorreu foi a
acolhida generosa e cordial. Do chefe indígena para o chefe branco
partiu apenas um aceno acolhedor. Os arcos foram jogados no chão em
sinal de paz e a cuia de mate, símbolo da hospitalidade, foi oferecida
ao chefe índio, rodando depois pelos guerreiros brancos.
A Cidade de Luz, no Oeste de Minas Gerais, iniciada em
1790 em torno de uma capelinha dedicada a Nossa Senhora da Luz e desde
1918 sede da Diocese, recebeu no dia 2 de fevereiro de 1995 preciosa
escultura de sua Padroeira, que lhe foi doada pela câmara Municipal de
Lisboa. Esta imagem, abençoada no santuário de Carnide, em Portugal,
construído junto à fonte do Machado, onde em 1453 0 humilde Pedro
Martins obteve da Mãe Santíssima um estupendo milagre, é toda em mármore
branco e foi recebida com grandes festejos populares e comemorações
cívicas na progressista cidade mineira e entronizada na bonita catedral.
Existe ainda na Cidade de Luz interessante monumento
erguido em 1993 para comemorar o 75º aniversário da criação do Bispado,
no qual foi colocada uma efígie de bronze de Nossa Senhora da Luz, cópia
daquela trazida pelos portugueses em 1503, que se encontra em exposição
no Museu de Arte Sacra de São Paulo.
A invocação de Nossa Senhora da Luz é bastante difundida no Brasil, pois existem 21 paróquias a Ela dedicadas.
Fonte: "Invocações da Virgem Maria no Brasil", de Nilza Botelho Megale, Ed. Vozes, 4a. ed., pp. 274-279.
Nenhum comentário:
Postar um comentário